Situação Fiscal dos Municípios
Antes de explorarmos a viabilidade de os municípios entrarem com ações específicas contra a União para a devolução do Imposto de Renda que lhes pertence, mas que se encontra nos cofres do Governo Federal, é fundamental entendermos os desafios enfrentados pelas cidades brasileiras. A descentralização de serviços essenciais como saúde, educação e assistência social ocorreu sem a devida compensação financeira por parte dos governos estadual e federal, gerando um descompasso preocupante.
Em 2023, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios, 49% das cidades brasileiras terminaram o ano fiscal em déficit, gerando preocupação entre os gestores. Reportagem de “O Estado de S. Paulo”[1] destacou que a situação fiscal dos municípios piorou em relação a quatro anos atrás, já que em fevereiro de 2024 acumulou-se um déficit primário de R$ 14,7 bilhões, evidenciando uma grande diferença em comparação ao superávit de R$ 900 milhões registrado no início dos seus mandatos.
Desafios das Receitas Municipais
As principais fontes de receita municipal, o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e o Imposto Territorial Urbano (IPTU), enfrentam desafios. A reforma tributária elimina o ISSQN, substituindo-o por um imposto cuja arrecadação não está mais vinculada diretamente aos municípios, além disso, o IPTU gera pouco recurso para cidades de pequeno porte. Esse cenário, de responsabilidades crescentes e redução de receita, força os gestores municipais a enfrentarem uma espiral descendente, dificultando a oferta de serviços públicos essenciais.
A Questão da Recuperação do Imposto de Renda
No centro desta discussão está a devolução do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), conforme decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema de Repercussão Geral 1.130, que ssim decidiu:
Pertence ao Município, aos Estados e ao Distrito Federal a titularidade das receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido na fonte incidente sobre valores pagos por eles, suas autarquias e fundações a pessoas físicas ou jurídicas contratadas para a prestação de bens ou serviços, conforme disposto nos arts. 158, I, e 157, I, da Constituição Federal.[2]
Essa decisão afirma que as receitas arrecadadas a título de imposto de renda retido sobre valores pagos pelos municípios, estados e o Distrito Federal pertencem aos mesmos, conforme preveem os artigos 158, I, e 157, I, da Constituição Federal.
A disputa interpretativa residia no entendimento do artigo 158, I, da Constituição, que atribui aos municípios, aos estados e ao Distrito Federal a receita oriunda do imposto sobre rendas incidentes na fonte, contudo, a Receita Federal entendia que isso se aplicava apenas às remunerações dos servidores, excluindo contratações de serviços e aquisição de bens.
Portanto, com o julgamento do Tema 1.130 a matéria se encontra pacificada, de modo que cabe aos municípios, os estados e ao Distrito Federal os valores do IRRF devidos inclusive pelas pessoas jurídicas fornecedoras de bens e prestadoras de serviços, sendo uma fonte de receita que pode ser recuperada quanto aos cinco anos anteriores, já que não houve modulação de efeitos temporais no julgamento.
Próximos Passos
Recuperar esses valores não é uma tarefa fácil, pois demandará o reprocessamento cuidadoso de lançamentos financeiros municipais, estaduais e do Distrito Federal, e dada a realidade dos municípios, que possuem em sua grande maioria mão de obra insuficiente, certamente haverá a necessidade de contratação de empresas especializadas nessa temática, mas, mesmo assim, a recuperação pode fornecer um alívio financeiro significativo para os municípios que enfrentam desafios orçamentários críticos.
Os gestores municipais devem mobilizar esforços para garantir essa importante fonte de receita, aliviando suas finanças e potencialmente melhorando a prestação de serviços essenciais à população.
Sobre o autor:
Dr. Rodrigo Alexandre de Oliveira é advogado e contador.
Pós-Graduado em Direito Tributário; Recuperação de Créditos Tributários; Processo Civil; Proteção de Dados (LGPD) e Especialista em Direito Digital; Direito Penal e Processo Penal, Direito do Trabalho, Direito Eleitoral, Administrativo, além de defesas junto ao Tribunal de Contas e outras áreas.
É um dos advogados que atuaram no julgamento do Recurso Extraordinário 656.858, que gerou a Repercusão Geral 309, que versa sobre a possibilidade de os entes públicos contratarem escritórios de advocacia para a execução de serviços.
[1] https://www.estadao.com.br/economia/situacao-fiscal-dos-municipios-esta-pior-do-que-ha-4-anos-e-sera-desafio-para-novos-prefeitos/#:~:text=Levantamento%20realizado%20pelos%20t%C3%A9cnicos%20da,uma%20heran%C3%A7a%20quase%20que%20maldita.
[2] https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6023158&numeroProcesso=1293453&classeProcesso=RE&numeroTema=1130
FEVEREIRO 2025Categoria(s): Administrativo/Novidades