STF: 2ª Turma mantém decisão que limita a condenação trabalhista ao valor indicado na petição inicial

A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal manteve decisão que limita a condenação em ações trabalhistas ao valor atribuído a cada pedido na petição inicial. O julgamento reacende um debate importante do processo do trabalho desde a Reforma Trabalhista: os valores informados pelo autor são uma estimativa para fins de alçada ou funcionam como teto da condenação?

O que foi decidido

No caso analisado, a Corte validou entendimento segundo o qual a sentença não pode ultrapassar os valores indicados na inicial para cada pedido formulado. Na prática, isso significa que, se o trabalhador atribui a um pedido de horas extras o valor de X, a condenação não poderia supera-lo, ainda que a prova dos autos aponte montante maior.

Ainda que a decisão tenha efeito apenas entre as partes do processo, por ter sido proferida por órgão do STF ela tende a influenciar a atuação de juízes e tribunais, além de orientar a redação de petições iniciais e contestações.

O que está em discussão

Desde a Lei 13.467/2017 (Reforma Trabalhista), a CLT passou a exigir que a petição inicial contenha pedidos “certos, determinados e com indicação de seu valor” (art. 840, §1º). A discussão é se essa “indicação de valor” seria meramente estimativa — permitindo, ao final, condenação superior após a apuração em liquidação — ou se deve atuar como limite máximo da tutela jurisdicional concedida.

Há decisões relevantes em ambos os sentidos na Justiça do Trabalho. Parte da jurisprudência entende que os valores são estimativos, sobretudo quando a prova depende de documentos em poder do empregador ou de perícia contábil. Outra corrente, que ganhou fôlego com o julgamento da 2ª Turma do STF, reforça que a exigência legal de pedido certo, determinado e com valor delimitado converte a cifra indicada na inicial em teto da condenação.

A base jurídica do entendimento

O raciocínio que sustenta a limitação se apoia em dois pilares:

  • Princípio da congruência (ou adstrição), previsto no Código de Processo Civil: o juiz deve decidir nos limites do que foi pedido (CPC, arts. 141 e 492). Se o autor delimitou o pedido e atribuiu valor, a condenação não poderia exceder esse limite sem violar a congruência e o contraditório.
  • Reforma Trabalhista e técnica processual: ao exigir pedidos certos e determinados “com indicação de seu valor”, o art. 840, §1º, da CLT teria elevado o grau de precisão necessário na formulação da demanda, transferindo ao autor a responsabilidade de quantificar seu direito já na largada.

Do outro lado, os argumentos contrários enfatizam o acesso à Justiça e a realidade probatória trabalhista: em muitos casos, o empregado não dispõe de controles de jornada, folhas de ponto, recibos detalhados e outros documentos essenciais para uma aferição precisa no ajuizamento. Nessa linha, os valores seriam uma referência inicial, a ser ajustada quando do cálculo de liquidação, desde que observado o contraditório.

Efeitos práticos para empresas e trabalhadores

Para autores de ações trabalhistas, o recado é claro: a estratégia de quantificação na inicial ganha peso decisivo. Pedidos subavaliados podem resultar em condenações aquém do que a prova autorizaria. Isso exige maior rigor técnico ao estimar:

  • Critérios de cálculo (por exemplo, divisor e adicional nas horas extras, base de incidência, reflexos).
  • Períodos aplicáveis (datas de início e fim da jornada impugnada, marcos prescricionais).
  • Índices de correção e juros a aplicar na liquidação.
  • Documentos já disponíveis e lacunas que precisarão ser supridas por prova.

Para as empresas, a diretriz amplia a utilidade de impugnar iniciais com valores genéricos ou subavaliados, bem como de destacar, na contestação, a natureza limitadora dos números atribuídos aos pedidos. Também reforça a importância de uma boa guarda documental, pois o risco de condenação acima do que está na inicial — quando prevalece o entendimento limitador — tende a diminuir, mas não elimina discussões sobre critérios internos de cálculo.

Relação com custas, honorários e liquidação

A limitação do valor da condenação ao da inicial tem reflexos indiretos sobre:

  • Custas e depósito recursal: a base de cálculo pode ser afetada pelo teto prático imposto aos pedidos.
  • Honorários de sucumbência: se a condenação fica aquém do que seria apurado sem o limite, o “proveito econômico” reconhecido também se ajusta.
  • Fase de liquidação: a liquidação continua necessária para detalhar cálculos, mas, sob a ótica do entendimento limitador, ela passa a operar dentro do teto previamente delimitado.

Como redigir boas iniciais e contestações a partir de agora

Para a parte autora:

  • Detalhar fatos e critérios: explicitar metodologia de cálculo na própria inicial, com memória de cálculo anexada, quando possível.
  • Tratar incertezas de prova: indicar com precisão as lacunas documentais e justificar tecnicamente eventual margem estimativa, sem perder de vista que o entendimento limitador pode ser aplicado.
  • Cautela com pedidos “abertos”: termos genéricos tendem a ser rejeitados; a técnica pós-Reforma requer precisão.

Para a parte ré:

  • Impugnar valores e critérios: apontar incongruências, erros de base, períodos indevidos e critérios de cálculo controversos.
  • Ressaltar o princípio da congruência: sustentar a vinculação do julgador aos limites numéricos da inicial em cada pedido.
  • Requerer delimitação em eventual procedência: caso haja condenação, pleitear que ela observe estritamente os valores atribuídos aos pedidos.

O alcance do precedente

Trata-se de decisão de Turma do STF, não de tese de repercussão geral, de modo que não há efeito vinculante geral. Ainda assim, decisões da Suprema Corte, mesmo quando não moduladas como precedente obrigatório, costumam irradiar influência nas instâncias inferiores e orientar a prática forense. É plausível, portanto, que se observe intensificação do entendimento limitador em varas do trabalho e TRTs, a depender da composição e da linha jurisprudencial local.

O que observar daqui para frente

  • Maior tecnicidade na quantificação dos pedidos: escritórios e departamentos jurídicos devem investir em planilhas padronizadas e checklists de documentos para estimativas mais fiéis.
  • Gestão de risco ex ante: a definição do valor atribuído aos pedidos deixa de ser mera formalidade e passa a integrar a estratégia de cálculo de risco da causa.
  • Monitoramento de novos julgados: como o tema não está pacificado em caráter vinculante, decisões futuras do próprio STF, do TST e dos TRTs podem ajustar o compasso. Acompanhar a evolução jurisprudencial é essencial para calibrar a atuação processual.

Conclusão

De acordo com Dr. Rodrigo Olivera, especialista em direito e processo do trabalho, “o posicionamento da 2ª Turma do STF consolida, ainda que sem efeito vinculante amplo, a leitura de que a indicação de valores na petição inicial trabalhista é elemento delimitador da condenação. Em um cenário de incerteza jurisprudencial, a melhor resposta prática é técnica: cuidado redobrado na quantificação dos pedidos, critérios de cálculo bem explicitados e estratégias processuais coerentes com o princípio da congruência“.


Categoria(s): Novidades/Trabalhista

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